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quinta-feira, 3 de março de 2011

Discriminação tem preço

Discriminação tem preço
18 de novembro de 2005
Pesquisas apontam que taxa de desemprego entre mulheres negras chega a ser o dobro da registrada pela população branca masculina. Salários de afrodescendente são até 52% menores por causa da cor

Mariana Flores e Breno Lobato
Correio Braziliense

A situação da mulher negra no mercado de trabalho brasileiro está cada vez mais vulnerável. Elas são as mais prejudicadas pelo desemprego. Quando conseguem uma ocupação, desempenham atividades em condições mais precárias e recebem salários inferiores aos dos demais trabalhadores. A taxa de desemprego entre mulheres negras chega a ser o dobro da registrada entre homens brancos (veja gráfico). Na média, elas ganham três vezes menos do que os homens brancos e quase a metade do que as mulheres não negras. Na maioria dos casos, a escolaridade média dos brancos é superior à dos negros e a discriminação contribui para aumentar a diferença. “Algumas pesquisas mostram que 52% da diferença salarial entre negros e brancos se deve à discriminação e não à escolaridade”, afirma Vera Soares, coordenadora do Programa de Igualdade de Gênero e Raça do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem).

Em comemoração à Semana da Consciência Negra, três institutos divulgaram ontem estudos retratando as desigualdades de raça e gênero. Os dados mostraram que o preconceito é maior quando se trata da cor da pele. Segundo números do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as mulheres brancas ganham, em média, melhor que os homens afrodescendentes, apesar de terem salários inferiores aos dos homens brancos. Em média, elas ganhavam R$ 279,70 em 2003. No caso dos homens negros, os salários subiram para R$ 428,30. Já as mulheres brancas receberam, em média, R$ 554,60 em 2003 e os homens brancos, R$ 931,10. “Os negros (somados à população declarada como parda) somam 46% da população brasileira. Detalhamentos como estes nos estimulam a pensar no que fazer. Estamos lançando campanhas publicitárias voltadas para o campo empresarial com o objetivo de aumentar as contratações dos negros”, diz a ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

O ingresso no mercado de trabalho está cada vez mais difícil. O desemprego cresceu em todas as classes no período pesquisado pelo Ipea — entre 1996 e 2003 —, mas as mulheres, especialmente as negras, foram as mais prejudicadas. Em 2003, de cada 100 mulheres negras no mercado de trabalho, 16 estavam desempregadas. Em 1996, o número era menor — 11 procuravam uma vaga. No último ano pesquisado, a taxa de desemprego das mulheres brancas era de 13,3% e as dos homens negros e brancos, de 9,9% e 8,3%, respectivamente.

Brasília
Outra pesquisa, elaborada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) com dados de janeiro a setembro, mostra a realidade das mulheres negras no Distrito Federal. De cada 100 trabalhadoras afrodescendentes da capital federal, 24 estão desempregadas. O número cai para 13 quando se aborda o universo dos homens brancos. No caso das mulheres brancas, a proporção de desempregadas diminui para 21%. Também no DF, quando conseguem um posto de trabalho, as negras são as que mais sofrem com as condições precárias do emprego. De acordo com o estudo, 41,3% delas se encontram em situação de vulnerabilidade, seja por não ter carteira assinada, ser trabalhadora familiar não-remunerada ou empregada doméstica.

Assim como mostrou o relatório do Ipea, em Brasília os salários dos afrodescendentes são, em geral, mais baixos. Em média, cada trabalhador não-negro recebe, mensalmente, R$ 1.634. O rendimento cai para R$ 1.071 por causa da cor da pele. As mulheres negras recebem, em média, 50,8% dos rendimentos pagos aos homens brancos. Segundo os dados do Dieese, em outras regiões metropolitanas as diferenças salariais pela cor da pele podem ser ainda maiores. Os extremos são verificados em Salvador. Na capital baiana, as mulheres negras ganham apenas 39,2% dos salários pagos aos trabalhadores brancos.

É preciso ter jogo de cintura para lidar com o preconceito, segundo Maria Abadia de Souza Bernardo, 44 anos, gerente-geral no DF da rede de lojas femininas Cori. Não são raros os casos de pessoas que pedem para falar com a chefe dela. Com dezenas de funcionários sob seu comando, ela coordena três lojas nos maiores shoppings da cidade. “Às vezes, quando tem algum problema, as pessoas pedem para falar com o gerente ou com alguma pessoa que esteja em um cargo acima do meu”, afirma, lembrando que muitos clientes duvidam que ela seja a chefe em Brasília. “Há discriminação, mas quando isso ocorre procuro mentalizar e fingir que não é comigo”, diz. Maria Abadia afirma que sempre se preparou para desempenhar a função que ocupa. “Sou capaz e só estou bem posicionada por isso. Sou muito bem paga, mas no início a discriminação era ainda maior. Colegas de trabalho me olhavam como se eu fosse pior e não tivesse a mesma qualificação”, lamenta.


'A diferença salarial se deve à discriminação racial e não à escolaridade-Vera Soares, coordenadora do Unifem'

Elas são domésticas
O emprego doméstico é o destino de 24 em cada 100 mulheres negras que estão no mercado de trabalho. O volume é bem maior que o de trabalhadoras brancas. Entre elas, a proporção é de 14 empregadas domésticas para cada 100 ocupadas, segundo os dados divulgados ontem pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese). Somadas, as empregadas domésticas somam 6 milhões de pessoas em todo o país.

Nas seis regiões metropolitanas pesquisadas o número de mulheres negras ocupadas no emprego doméstico atinge o dobro do volume das não-negras, segundo dados de 2003 e de 2004. Em Brasília, que possui 60% de sua população formada por pardos e negros, a proporção é de 24,3% e 12,3%, respectivamente. A maior diferença ocorre em Salvador, cidade onde 80% da população é negra. O percentual de afro-descendentes que trabalham como domésticas é de 22,1%, mais que o triplo do volume das brancas — 6,2%.

Das domésticas brasilienses que são negras, 80,2% trabalham como mensalistas. Já no caso das brancas a proporção sobe para 83,7%. Destas, em torno de 35% têm carteira assinada. Exceção por ter carteira de trabalho assinada, a doméstica Vanusa Dimas da Silva, 33 anos, diz que a discriminação é mais social do que racial. Na profissão, não vê discriminação de cor, mas acredita que isso acontece quando se pede boa aparência. "Nunca fui discriminada pela cor, mas por ser doméstica. Não temos direito nenhum, nem FGTS, nem seguro desemprego".

As brasilienses, negras e brancas, saem em desvantagem em relação aos rendimentos, apesar de viverem na cidade com maior renda per capita do país. “Paga-se muito pouco às empregadas. Isso mostra o quanto elas são discriminadas”, avalia a diretora da OIT no Brasil, Laís Abramo. As domésticas negras recebem, em média, por hora trabalhada R$ 1,77, valor superior ao pago em Belo Horizonte (R$ 1,75), Recife (R$ 1,08) e Salvador (R$ 1,18). Mas abaixo dos salários de Porto Alegre (R$ 2,23) e São Paulo (R$ 2,34).

As domésticas negras em Brasília recebem, em média, R$ 1,78 por hora trabalhada. A jornada média semanal é de 44 horas a 47 horas. (MF)

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